Encantos e benefícios da jabuticaba, essa fruta tão nossa

Encantos e benefícios da jabuticaba, essa fruta tão nossa





Quando fiz sete anos, ganhei da minha mãe o livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Li sozinha, tenho até hoje a edição de 1968. Fiquei apaixonada pelo Sítio do Picapau Amarelo, por Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, Tia Anastácia, Emília, Visconde de Sabugosa e Rabicó. Andava com o livro para cima e para baixo e lia e relia tanto que acabei decorando vários trechos. O capítulo das jabuticabas era um dos meus preferidos, achava as descrições de como tudo acontecia tão perfeitas que conseguia imaginar que estava colhendo e chupando as frutinhas, acho que até sentia o gosto.

Veja também:

- Helô Bacellar ensina um segredinho para fazer bolo com sabor de jabuticaba!

https://youtu.be/e_fHNNFBBGY

Na história, quando as jabuticabas chegavam ao ponto, a Narizinho subia na árvore, “escolhia as mais bonitas, punha-as entre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha do caldo e pluf! - caroço fora. E tloc, pluf - tloc, pluf, lá passava o dia inteiro na árvore”, então chegava o porquinho Rabicó, que abocanhava toda frutinha que encontrava pelo chão, e naturalmente surgia a música da jabuticabeira “tloc! pluf! nhoc! - tloc! pluf! nhoc!”.

Lia o trecho do livro e saía para o quintal da casa em que a gente morava, torcendo para que as jabuticabas estivessem madurinhas. Gostava tanto da jabuticabeira que, mesmo fora do tempo das frutinhas, subia na árvore com o meu Reinações e passava horas lá em cima lendo ou apenas pensando na vida.

Por falar em subir, acho que poucas árvores são tão perfeitas para isso como a jabuticabeira, o tronco vai se dividindo e subdividindo de um jeito tão incrível e lógico que apoiar os pés com segurança é fácil demais. Tão tranquilo que a gente começa a subir e, de repente, já está lá no alto, sempre querendo pegar as frutas do galho logo acima, sempre as maiores, e passa horas chupando jabuticabas e cuspindo os caroços. A gente não consegue parar, sempre pensando “só mais uma”. Então, vem mais uma e depois mais uma, poucas coisas são tão viciantes (mas vale o alerta: consumir essa fruta em excesso pode fazer mal e dar dor de barriga).

Sua majestade, a jabuticabeira!


Cresci rodeada por jabuticabeiras. Hoje tenho uma alameda de jabuticabeira de vários tipos plantadas pelo meu marido na frente da casa da fazenda. Em São Paulo, tenho uma lindíssima no quintal.

O poeta Carlos Drummond de Andrade, cheio de razão, disse que “jabuticaba chupa-se no pé”, e é verdade. Até dá para colher e guardar por um ou, no máximo, dois dias na geladeira, ou comprar e chupar em casa quando não se tem jabuticabeira por perto, mas no pé tudo é diferente. Não se trata só de chupar a fruta fresquíssima, que explode na boca de um jeito único, mas também de passar um momento maravilhoso à sombra de uma árvore que é uma verdadeira rainha.

A jabuticabeira, ou Myrciaria cauliflora, é uma árvore linda, frondosa, muito brasileira, nativa da Mata Atlântica. Por isso é tão mais fácil encontrá-los nos estados do Sudeste. Em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo tem aos montes. Mas ela também se espalhou pelo resto do Brasil e até por outros cantos da América do Sul. É uma árvore de porte médio a grande, dependendo da espécie. Faz parte da família das mirtáceas, a mesma da goiaba, do araçá e da pitanga, a maioria delas com aqueles troncos que têm jeito camuflado, mesclando camadas de casca clara e escura. Só que a jabuticabeira, assim como a pitangueira e diferentemente da goiabeira e do araçazeiro, tem folhas miúdas, finas, brilhantes e de um verde forte e intenso que formam a copa frondosa.

São muitas as variedades de jabuticaba. As mais comuns são a Sabará, nativa da cidade mineira de mesmo nome, próxima a Belo Horizonte, que dá frutos pequenos, doces e abundantes; a Paulista, que produz jabuticabas um pouco maiores e também muito doces; a Ponhema e a Olho de Boi, mais  graúdas, suculentas e doces; a Rajada, que é esverdeada com risquinhos marrons, e a Branca, que na realidade é verde, as duas gostosas e interessantes por não serem pretinhas.

Jabuticabeira é árvore que se planta para colher em uma década e sempre pensando que serão os filhos e os netos que a verão realmente grande e frondosa, pois ela leva muito tempo para crescer e produzir. Só que quando ela começa, não para mais, segue frutificando aos montes por anos a fio. Há árvores centenárias que produzem boa quantidade de frutos. As jabuticabeiras da Fazenda Pinhal, em São Carlos, são assim, espetaculares, acho que são as mais lindas que já vi, formam um pomar impressionante.

Se tiver uma jabuticabeira em casa e quiser uma produção abundante e mais frequente, mais de uma vez por ano, regue com vontade ou até deixe uma torneira gotejando ao lado do pé, pois a árvore adora água (funciona também furar uma bacia, apoiá-la na terra ao lado da jabuticabeira, encher de água e deixar escorrer aos poucos).

Fruta adorada por índios e portugueses

Muito antes dos portugueses chegarem a estas terras, os índios já saboreavam essas frutinhas tão doces, pretas e redondas, e por acharem que o formato lembrava o de um jabuti, elas viraram jabuticabas. De cara, os portugueses se apaixonaram pela fruta docinha e abundante, cuja florada começa com miniflores brancas coladas ao tronco com um perfume doce e delicioso, que depois se desfazem numa chuva de pétalas miúdas.  Aí se transformam em bolinhas verdes que permanecem agarradinhas ao tronco e, depois de uns 20 dias, pretejam e são preenchidas por uma polpa doce e delicada.

Fernão Cardim, um padre jesuíta que viajou pela costa brasileira no século 16, e escreveu sobre o que encontrou no Brasil, falou da jabuticaba. Disse ele que era uma “fructa rara, e acha-se somente pelo sertão a dentro da capitania de São Vicente”. Saint-Hilaire, naturalista francês que também se encantou com o Brasil, escreveu no seu Viagem à Província de São Paulo que “o terreno era vasto, e vi aléias de laranjeiras, muitos pessegueiros, pitangueiros (Eugenia michelly, Lam) pés de abacaxi e principalmente uma prodigiosa quantidade de jabuticabeiras (Myrtus cauliflora, Mart). Quando me achava em São Paulo os frutos dessa árvore estavam em plena maturidade e eram vendidos nas ruas da cidade. As jabuticabeiras levam certamente vantagem sobre todas as frutas indígenas do Brasil. São doces sem serem enjoativas, agradavelmente mucilaginosas e extremamente refrescantes”.

Na verdade, é difícil encontrar quem resista a essas bolinhas pretas que explodem na boca. Quase todo mundo que experimenta se encanta. Isso inclui os passarinhos (os periquitos e os sabiás que vivem pelo meu quintal adoram) e até os cachorros (o Cacau, nosso vira-lata muito arteiro e divertido, costuma subir na primeira forquilha para abocanhar jabuticabas direto do tronco, e não perde a chance de comer a polpa com semente que a gente cospe).

Como colher os benefícios da jabuticaba
A casca escura da jabuticaba, que lembra a de uma uva muito preta, só que mais grossa, é riquíssima em taninos. Por isso, tudo o que se faz com ela fica com uma cor roxa deslumbrante. Além disso, ela tem uma adstringência que dá complexidade às receitas.

De setembro a novembro, quando jabuticaba não falta e colho bacias cheias delas, aproveito para matar a vontade de cozinhar com esse ingrediente.  Também abasteço a despensa por um tempo de licor e geleia, faço sorvetes, bolos e molhos para carnes e saladas.

Jabuticaba tem vitaminas B e C aos montes, além de cálcio e ferro. Ajuda a combater a asma e as dores de estômago. Além de chupar, vale também separar umas 8 cascas, aquecer com mais ou menos 300 ml de água, ferver por uns 5 minutos, desligar o fogo, tampar a panela, deixar descansar por uns 5 minutos, coar e tomar.

Cada parte da fruta concentra um determinado tipo de nutriente. A casca é rica em fibras e antocianinas, grupo de pigmentos que têm ação antioxidante. É na polpa docinha que encontramos as vitaminas B e C, além de minerais como potássio, fósforo e ferro. As sementes contam com taninos, substâncias que protegem as células, uma boa quantidade de fibras e gorduras do bem.

Por Helô Bacellar
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