Doces bárbaros

Doces bárbaros

Para Maria Lucia Pontes, professora do curso de Gastronomia da FMU, em São Paulo, a expressão “fusion food” é a melhor tradução para a doçaria brasileira. “A confeitaria nacional floresceu com a combinação de elementos da tradição culinária de diferentes países, regiões e culturas, adaptados aos ingredientes locais”, observa. Ou a outros produtos que, embora não sejam nativos, acabaram se aclimatando tanto por aqui que até parece que sempre foram da terra. “É o caso do coco e da banana”, explica ela. As duas frutas são originárias da Ásia e foram trazidas ao Brasil pelos colonizadores portugueses. Essa mistura rendeu quitutes que, na maioria, encantam por sua simplicidade. Para saboreá-los com mais gosto, que tal descobrir algumas curiosidades sobre eles? É pra já!

Compotas de frutas e doce de leite


geleia de cupuaçu

Essa tradição prosperou por aqui com o estabelecimento da cultura de cana-de-açúcar. “O açúcar passou a ser usado na conservação de produtos como abóbora, goiaba, banana. Como a variedade de frutas é grande, considerando a extensão do país, cada região tem seus doces e compotas mais comuns”, observa Maria Lúcia.
Hoje produzido em larga escala pela indústria de laticínio, o doce de leite caseiro segue um preparo bem simples. Assim como no caso das compotas de frutas, basta juntar o leite ao açúcar e deixar cozinhar, em fogo baixo e mexendo sempre, até atingir o ponto desejado (mais cremosos ou mais consistente para corte). É um processo demorado. Mas dá para encurtar o caminho cozinhando uma lata de leite condensado fechada em panela de pressão por 20 a 30 minutos.

Doces com amendoim



Leguminosa nativa da América Latina, o amendoim é o protagonista em duas receitas de doces brasileiríssimos. Um deles é o pé de moleque, que nasceu ainda no século 16 da junção do amendoim torrado com a rapadura. Sobre a origem do nome, há controvérsias. Uma vertente alega que ele foi inspirado no calçamento irregular de cidades históricas brasileiras, que era chamado de “pé de moleque”. Outra vertente é igualmente prosaica: conta que muitas doceiras, vítimas de meninos que surrupiavam seus docinhos, ralhavam com eles dizendo “pede, moleque, pede!”, e o nome acabou pegando.
Outra delícia feita com amendoim é a paçoca, resultado da união com outro produto genuinamente brasileiro, a farinha de mandioca, além de açúcar. Os três ingredientes são socados no pilão para dar forma ao tradicional doce da culinária caipira paulista que desmancha na boca. O nome deriva da expressão tupi “po-çoc”, que significa esmigalhar.

“No tabuleiro da baiana tem...


vatapá, oi/ caruru/ mungunzá/ tem umbu...”, como enumera o famoso clássico da música brasileira. Mas também tem muita cocada e bolinho de estudante. Alguns estudos, segundo conta o antropólogo Raul Lody, autor do livro Caminhos do Açúcar (editora Topbooks), apontam que a cocada era um doce feito pelos escravos. À noite, quando voltavam para as senzalas, eles ralavam o coco, acrescentavam açúcar e cozinhavam.
Singelo também é o preparo do bolinho de estudante. Sua massa é feita com tapioca, açúcar, leite de coco e a polpa da fruta ralada. Depois de frito, ele é polvilhado com açúcar e canela. Reza a lenda que o bolinho recebeu esse nome por ser um dos itens mais baratos do tabuleiro da baiana, o que o tornava mais acessível e popular entre os estudantes que não tinham muitos recursos para gastar.

Cocada

Doces portugueses, mas com nosso jeitinho.


Do time de doces portugueses que foram abrasileirados, temos um trio de peso: bolo de rolo, quindim e pudim de leite.
Tradicionalíssimo no Recife, o bolo de rolo foi até declarado Patrimônio Cultural e Imaterial de Pernambuco em 2008. Feito com finíssimas camadas de massa de pão de ló, entremeadas com lâminas de goiabada cremosa, o quitute foi inspirado em um bolo português conhecido como “colchão de noiva”, também enrolado, mas com nozes no recheio.
Combinação perfeita de ovo, açúcar e coco ralado, o quindim deriva de um doce português conhecido com o nome de brisa do Lis, nome de um rio de Leiria, região onde o quitute teria nascido. Diz a tradição que, naquela região, as freiras do convento Santana usavam claras de ovo para engomar as roupas. Para não desperdiçar as gemas, tiveram a ideia de fazer o doce. No Brasil, como era difícil encontrar amêndoas usadas na receita lusitana, o ingrediente foi substituído pelo coco ralado, mais abundante. E foi rebatizado com o nome de quindim, palavra de origem africana que significa “encanto”, “dengo”.
Derivado da palavra inglesa “pudding”, o pudim de leite, feito a base de ovo e leite, com calda e cozido em banho maria é um quitute da doçaria lusitana cuja origem os patrícios não sabem precisar. Conta-se que ele teria sido inventado por um abade, com o nome de Pudim de Priscos, feito com açúcar, gemas, água e toucinho de porco! Já, segundo um artigo do jornalista Dias Lopes, publicado no Blog do Paladar, do jornal
O Estado de São Paulo, ele “teria estreado no manuscrito do Padre Joaquim Cardoso e Brito, da primeira metade do século 19, publicado com o título de Doces e Manjares do Século 19 (Editora Fora do Texto, Coimbra, 1995). O autor difundiu três versões do ‘podim’ de leite”.



Depois de tanta história bateu aquela vontade de comer um docinho? Então, basta escolher uma das receitas da Mesa e já pra cozinha! Depois conta pra gente como ficou.

 
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